Friedrich Wilhelm Nietzsche é de longe o filósofo menos compreendido de todos, no entanto, é
comum encontrar frases soltas de seu pensamento em jornais , revistas , em
comerciais, livros de autoajuda etc que
fogem ,totalmente, de sua visão de mundo perspectivista; além de traduções que foram feitas para o Francês e depois para
o Português de seus livros, muitos deles, traduzidos para fins estritamente
comerciais que deturpam totalmente o pensamento desse imponente pensador.
Michel Onfray nos lembra para que "
Não esqueçamos nunca que esse grande filósofo escreve como um grande poeta.
Ora, essa dupla qualidade desorienta qualquer um que seja privado de uma das
duas competências" (ONFRAY, Michel, A sabedoria trágica – sobre o bom uso
de Nietzsche, p. 17,Ed. Autêntica) Assim, faz-se mister, compreendê-lo usando
traduções diretas do Alemão e utilizar bons comentadores como por exemplo, Gilles Deleuze ,Michel
Onfray, Eugen Fink,Gianni Vattimo , para nos ajudar a compreender seu
pensamento que desde seu primeiro livro, O Nascimento da Tragédia, até sua
maturidade , paulatinamente, se aprofunda, e passa por três períodos principais
de acordo com José Ferrater Mora. O primeiro,
vai até 1877,onde os principais livros são: "O Nascimento da
Tragédia" (1872) e a "Segunda Consideração Intempestiva" (1874),
no segundo a trilogia para espíritos
livres: “Humano, demasiado humano I e II”( 1876-1880), "Aurora"(1881)
e a "Gaia Ciência" (1882) e o terceiro , conhecido como período
Zaratustra(1883-85) , considerada por muitos como a sua obra prima, Além do bem
e do mal(1887) e A genealogia da moral (1887). Devemos deixar claro que a
"unidade" de sua obra tem que
ser levada em total consideração a partir da Vida como fundamento. Assim, todos
os conceitos chaves de suas obras tais como: Força-plástica, Vontade de potência ,Além-do-homem , do
Eterno retorno, Niilismo, Morte de Deus,
estão em desenvolvimento e
ligados entre si , juntamente como Vida, entendida como Vontade de
Potência. Todos esses conceitos não podem ser entendidos a partir de textos soltos, mas apenas no
contexto de sua obra como um todo, para haver uma compreensão maior da obra
desse tão polêmico autor. Seu pensamento está intrinsecamente ligado desde seu
primeiro livro: O Nascimento da Tragédia,
a fazer uma crítica radical e demolidora aos fundamentos da cultura
ocidental que abrangem, principalmente, o Racionalismo absoluto, a Religião
positiva, a Ciência, O Platonismo e todo o Essencialismo. Para tal usa as
metáforas do Martelo e da Dinamite ,porque, quebra e explode todo o edifício
moral fundado na transcendência , ao ponto de haver uma total ruptura com a
tradição que delimitava com exatidão o "antes" e o "depois"
de Cristo, para agora o "antes" e o "depois" de Nietzsche
como o verdadeiro divisor, legitimando com essa ruptura uma reflexão atemporal
e supra histórica, porque nos convida a
suspeitar, a duvidar de nossos pontos de vista tradicionais que nos foram
legados dogmaticamente. Sua proposta é reavaliar e transmutar todos os valores que foram fundados na
transcendência, para restituir nossos
direitos à uma vida não dicotômica, porque a cultura que Nietzsche combate é
aquela determinada por uma metafisica dualista que se estabeleceu com o
Platonismo e ,consequentemente, com o
cristianismo que é para ele "Um Platonismo para o povo" .Na época
presente, as conjecturas mais básicas de sua filosofia podem ser enfatizadas a
partir de uma moral afirmativa que ele chamou "moral de
senhores",onde suas avaliações não leva em consideração o utilitarismo e
outra que é fundada na negação que ele
chamou de "moral de escravos", onde a utilidade é a força motriz .
Ele constata que houve o predomínio das forças reativas, do ressentimento , no
seio de nossa cultura, e um aprofundamento da moral de espíritos medíocres que
há muito tempo ocupam o Poder " Os nossos senhores são escravos que
triunfam num devir-escravo universal"(DELEUZE,Gilles.
Nietzsche.Ed.70,2018,p.25.26) porque ao proclamar a invenção de um além-mundo,
a moral reativa dos escravos foi vitoriosa, desembocando no Niilismo passivo
que, segundo Gilles Deleuze , é o "triunfo dos escravos"(Id.ibid.,p.25).Considerando
a interpretação Deleuziana , "o Niilismo passivo é uma expressão negativa
da vontade de poder " cujas forças reativas vencem as ativas , " Ora, a história
põe-nos em presença do mais estranho fenômeno: as forças reativas triunfam, a
negação leva a melhor na vontade de poder!" (DELEUZE, Gilles.
Nietzsche,Id.ibid.,p.24). Desse modo, há uma horizontalização dos valores
através da instituição de uma moral universal, onde esse tipo de avaliação
fundado na transcendência , contribuiu para o declínio , para a decadência,
para o nivelamento por baixo da sociedade e a consequente, mediocrização,
"estupidificação", imbecilização,e banalização do tipo homem como
avaliador, criador e transmutador de valores, ideias e crenças. Outro aspecto
que deve ser totalmente, rechaçado é a ligação de seu pensamento com o
antissemitismo, pois é sabido que Nietzsche execrava e desprezava o
antissemitismo. Para tal , vejamos um trecho de um livro de Gilles Deleuze
,onde ele cita um de seus fragmentos póstumos. "Sabe-se que os nazistas
tiveram relações ambíguas com a obra de Nietzsche; ambíguas porque gostavam de
reivindicá-la para si, mas não podiam fazer isso sem truncar citações,
falsificar edições, proibir textos principais. Em compensação, o próprio
Nietzsche não tinha relações ambíguas com o regime bismarckiano. Ainda menos
com o pangermanismo e com o antissemitismo. Ele os desprezava, os odiava.
"Não frequentar ninguém que esteja implicado nessa vergonhosa cortina de
fumaça das raças"(DELEUZE,Gilles;Nietzsche e a filosofia;p.163,n-1
edições,2018).