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NIETZSCHE :CULTURA E MORAL

Para Nietzsche, a cultura é formada através de um violento processo de espiritualização, inseparável de um processo de incorporação, sendo imposta, paulatinamente, aos homens através da moral. A moral é o ponto fulcral do pensamento de Nietzsche quando analisa a cultura.
Usando a abordagem genealógica vai ao cerne da questão de como se originou a cultura, pois pergunta pelo “valor dos valores”.
Na Genealogia da Moral, Nietzsche coloca o problema que provoca suas investigações, elaborando críticas sobre a construção dos juízos de valoração da moralidade, que formaram a cultura.


 (...) sob que condições o homem inventou para si os Juízos de valor “BOM” e “MAU”. E que valor tem eles? Obstruíram ou promoveram até agora o crescimento do homem? São indício de miséria, empobrecimento, degeneração da vida? Ou , ao contrário, revela-se neles a plenitude, a força, a vontade da vida, sua coragem, sua certeza, seu futuro? (NIETZSCHE, F.W; GM; p. 9).

Seu posicionamento é de que a moral deverá ser concebida como uma criação totalmente humana, desvinculando-se de qualquer transcendência. A moral tem uma história, que levou os homens a criar valores culturais imanentes, não considerando válida em termos absolutos, ou seja, válida “para todas as épocas e todos os povos”. Desse modo, usando o procedimento genealógico, ele questiona o “valor dos valores” pregados por essa moral, e as condições de validade desses valores sob o ponto de vista de quais tipos de homem esses valores favorecem: Os tipos, reles, escravos, fracos ou os tipos nobres, aristocráticos, fortes. Trata-se, portanto, de uma tipologia qualitativa, de acordo com Gilles Deleuze. Considerando a moral contingente, o genealogista Nietzsche, deixa claro que seu interesse na moral é a criação, através da cultura, de um tipo superior de homem, superando o tipo de homem até então existente.

"O homem é algo que deve ser superado... Todos os seres, até agora, criaram algo acima de si mesmos; e vós quereis ser a baixa-mar dessa grande maré cheia e retrogradar ao animal, em vez de superar o homem? "(NIETZSCHE; Z; p. 36).

Para Nietzsche, não existem virtudes desinteressadas, desse modo, a noção de interesse é um ponto muito importante, haja vista  que a moral vigente louvava as virtudes desinteressadas e, portanto, o altruísmo como valendo em si mesmo. Nietzsche, vê que o altruísmo é uma forma disfarçada de egoísmo e de incapacidade para descobrir e criar os próprios interesses (NIETZSCHE, CI, Incursões de um extemporâneo, 35). Ele procura mostrar em seus escritos, de que maneira a pretensa falta de interesse da moral cristã, que louva as ações desinteressadas como “boas em si mesmas”, faz com que os valores vigentes da cultura possam se manter e desse modo, aceitá-los dogmaticamente, não havendo uma reflexão crítica sobre eles, tornando-os, permanente estabelecidos, havendo, destarte, a formação de uma cultura e moral de animal de rebanho. Pela genealogia filológico-etimológica, Nietzsche quer determinar que “inicialmente”, bom era uma palavra ligada a todas as qualidades nobres e ruim ao que era desprezível, baixo, vulgar, mesquinho. O tipo nobre, aristocrata define a partir de si mesmo, o que é bom para o engrandecimento da cultura e a possibilidade de  torná-la elevada.

Através do ressentimento, como reação ao modo de valoração cultural dos nobres, a moral dos reles, plebeus, escravos, mudam o sentido desses valores, invertendo-os. Desse modo, a moralidade escrava define o que é mau, (excluindo o ruim como valor) como aquilo que o ameaça, e o bom como inofensivo, medíocre (...) segundo a moral dos escravos o mau inspira medo”(NIETZSCHE; BM, p. 174).

Na moral escrava ao invés de haver uma afirmação de si, há uma negação reativa ao que lhes são diferentes. “(...) sua ação é no fundo uma reação.” (NIETZSCHE; GM-I; p. 29). A inversão por reação que constitui a moral escrava conduz a criação de um “animal capaz de fazer promessas” (NIETZSCHE; GM-II; p. 47) pela qual,  haverá a possibilidade do surgimento ,no seio da cultura, a noção de responsabilidade, cuja capacidade de prometer supõe certa estabilidade na memória. No entanto, Nietzsche distingue basicamente dois tipos de memória: a memória doentia daqueles que não conseguem se livrar de uma lembrança, não a digerindo e outra memória ativa que funciona através da força de vontade e possui uma faculdade ativa de esquecimento, a qual é indispensável à saúde e a boa convivência sociocultural (Cf. GM, II, p. 47-48). O processo de criação da memória e por conseguinte, de um animal capaz de prometer, pode tanto conduzir a uma espécie de hipertrofia patológica da memória, configurando os tipos ressentidos, como também, criar tipos de homens superiores, culturalmente, aos do ressentimento.

Tal procedimento pode, por sua vez, engendrar tipos de homens que prometem porque tem consciência daquilo que podem efetivamente cumprir, sendo, portanto tipos autônomos e dessa maneira, supra morais. Sua moral, criação de valores e seus atos são criados a partir deles mesmos. (Cf. GM-II, p. 50-52).

Para Nietzsche, a cultura cria a memória antropologicamente, através de um processo violento através da dor “apenas o que não cessa de causar dor fica na memória” (GM-II, p. 50). Assim, essa memória armazenadora de lembranças que não podem ser suprimidas, não é apenas característica dos tipos ressentidos, ela também faz crescer, cada vez mais, o ressentimento, o sofrimento e por consequência, uma sociedade culturalmente doente.

A  espiritualização da crueldade é para Nietzsche uma das forças fundadoras da cultura “Quase tudo a que chamamos “cultura superior” é baseado na espiritualização e no aprofundamento da crueldade” (BM, cap. 7, p. 135). Segundo Nietzsche, o homem sócio culturalmente doente passou “(...) a se envergonhar de seus instintos”. (GM-II; p. 57) tornando mais suscetível a dor. Desse modo, a crueldade teve que passar por um processo de “sublimação e sutilização” (Cf. GM-II, p. 57), sendo “transposto para o plano imaginativo e psíquico” (Cf. GM-II, p. 57). A sublimação dos instintos é a organização pela qual o homem cria a cultura, todavia , o domínio sobre os instintos não pode ser confundido com seu total aniquilamento,muito ao contrário, a sublimação instintual humana está vinculada a um aumento de força, sendo considerado degenerado e fraco aqueles que combatem os instintos e não os domina . “Os instintos precisam ser combatidos - esta é a fórmula da décadence. Enquanto a vida está em ascensão, a felicidade é igual aos instintos” (CI, O problema de Sócrates, p. 26). Sendo os instintos, formas da Vontade de Poder, suas dominações são a afirmação de homens fortes e, portanto, de uma cultura superior, onde poderá ocorrer a “transvaloração de todos os valores”, através da superação da moral dominante, libertando os homens do niilismo passivo e do "ascetismo", onde a vida, o corpo, os desejos se afirmem de uma maneira,harmonica, positiva, engrandecendo a cultura.
A crítica de Nietzsche constata o predomínio das forças reativas, do ressentimento, no seio de nossa cultura. “Os nossos senhores são escravos que triunfam num devir escravo universal” (DELEUZE, G; Nietzsche; Lisboa, Ed. 70, s/d, p. 24) tendo em vista que ao ser proclamado culturalmente a invenção de um além-mundo, a moral reativa dos escravos foi, até agora, vitoriosa. Chegamos a conclusão que o predomínio das valorações morais altruístas, igualitárias e universalizastes é um sinal que o tipo homem regride, cada vez mais, em direção ao seu rebaixamento, ao nivelamento por baixo da sociedade e portanto da cultura, levando a mediocrização, “estupidificação”, imbecilização e banalização do tipo homem, criando uma cultura de “ animais de rebanho”.


REFERÊNCIAS:
Genealogia da Moral, Além do bem e do mal, Zaratustra e Crepúsculo dos ídolos de: Nietzsche.(Ed. Cia das letras e Guimarães)
Nietzsche e a filosofia   de: Gilles Deleuze. Ed. Rés)