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INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE NIETZSCHE

O pensamento de Nietzsche se caracteriza, fundamentalmente, por executar uma crítica radical da filosofia, em sua base metafísica, na tentativa de superá-la. Para ele, foi Sócrates o responsável pela divisão no pensamento, entre mundo real e o mundo aparente sendo o verdadeiro fundador da metafísica ao postular um além-mundo inteligível onde, o mundo efetivo, o real, foi considerado como aparência, implicando em sua desvalorização. Em seu escrito, “Humano, demasiado Humano", ele afirmou que toda metafísica poderia ser definida como:"(...) a ciência que trata dos erros fundamentais do homem, mas como se fossem verdades fundamentais” (Nietzsche: HDH; pg.28,Cia das Letras).A metafísica, ao postular um além-mundo inteligível que seria o fundamento do real, ou seja, do mundo efetivo, faz nela uma bifurcação, e isso implica uma dicotomia que conduz o pensamento filosófico na tentativa de conhecer a essência das coisas, o mundo como é em si mesmo, ou seja, conhecer e corrigir o Ser "(...)aquela inabalável fé de que o pensar, pelo fio condutor da causalidade, atinge até os abismos mais profundos do ser e que o pensar está em condições, não só de conhecê-lo, mas inclusive de corrigi-lo"( Nietzsche:NT,p.93,Cia das Letras). Tendo em vista que a “substancialização” ou “essencialização” do real aponta para a direção de uma verdade fixa, permanente, imutável, eterna, universal, e por conseguinte, à procura de um fundamento que seria a origem ideal e o significado do mundo. Assim, na obra que inicia sua maturidade intelectual, a partir de "Humano demasiado humano", a tarefa do pensamento nietzscheano consistirá na eliminação de qualquer ideia de um fundamento metafísico, transcendente, e de qualquer componente que postule um além-mundo inteligível na elucidação dos juízos de valoração morais. A moral, a partir de "Humano demasiado humano", passará a ser concebida como uma criação totalmente humana e, portanto, uma crítica em sua base passará a ser justificada, pois, a partir do momento da negação de todo e qualquer componente transcendente, a gênese dos juízos de valoração morais passará a ser, "Humana ,demasiada humana"."(...)Onde vocês veem coisas ideais, eu vejo - coisas humanas,ah, somente coisas demasiadas humanas!”( Nietzsche:EH-pg.72 , Cia das Letras).A crítica do pensamento de Nietzsche a moral e a metafísica têm como causa o fato de que toda a tradição filosófica ocidental após Sócrates, ter sido fundamentada radicalmente no primado da consciência, gerando desta forma, uma filosofia do sujeito e da representação. "Por longo período o pensamento consciente foi tido como o pensamento em absoluto” (Nietzsche: GC-333, p.221, CIA das Letras). Assim, podemos afirmar que a consciência foi concebida como o recinto por excelência do pensamento filosófico, até o martelo de Nietzsche "quebrar essa e concepção, ou melhor, a concepção de que o conceito de consciência esteve sempre ligado intrinsecamente com o próprio pensamento, havendo uma identidade entre eles. Para Nietzsche “a consciência desenvolveu-se apenas sob a pressão da necessidade de comunicação"; Nietzsche: G.C.354, pg.248, Cia das Letras). Desta forma, Nietzsche observa que os seres vivos em confrontação, por meio da luta com o meio ambiente, tiveram que adquirir órgãos capazes de lhes assegurar a sobrevivência, a consciência seria um desses órgãos, e como ele bem escreveu: “A consciência é o último e derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o que nele é mais inacabado e menos forte" Nietzsche: GC-11, pg.62, CIA das Letras). Assim, fica esclarecido que a consciência não é uma instância inata, a priori no ser humano, como pensou toda a tradição filosófica, ela surgiu como um meio de comunicação e o que se dá ao nível da consciência é apenas o mais superficial e encobre a atividade maior que é a inconsciente “apenas começa a raiar para nós a verdade de que a atividade de nosso espírito ocorre, em sua maior parte de maneira inconsciente” (Nietzsche:GC-333, p.221, Cia das Letras).Na modernidade, com o advento da filosofia de Descartes, houve uma preponderância do conceito de consciência como res cogitans e, assim ela passou a ser a condição sine qua non para todo filosofar. Ora, se Descartes, ao “descobrir” o cogito, fez uma retomada de uma nova maneira, através de um longo percurso de transposições de concepções tais como: A ideia, Motor Imóvel, Substância, Deus etc. ele continuou segundo Nietzsche, preso à dicotomia substancial que foi instaurada pelo Platonismo. Para Nietzsche, espírito e corpo não constituem unidades distintas entre si, mas estão totalmente e intrinsecamente relacionadas. O eu consciente, que foi considerado pela filosofia como o núcleo onipresente, ser pensante da vida, passa, após a crítica demolidora de Nietzsche, a ser considerado como uma “pequena razão”, tornando-se instrumento da “grande razão”, ou seja, das funções orgânicas que permitem ao ser humano conservar-se e expandir suas forças. Desta forma, para Nietzsche o pensamento não pode ser confundido com a consciência, muito pelo contrário ele ultrapassa a ideia de consciência de toda a tradição filosófica. Nietzsche percebe que atrás do conceito de consciência está a noção de um “sujeito", de um "eu" e para Nietzsche a identificação do sujeito com a razão é uma “ilusão”, uma “ficção”, “um artigo de fé”, enquanto fundamento da verdade através da linguagem é um" jogo de forças". "Não existe um Ser por trás do agir, a ação é tudo”. “Pois assim como o povo distingue o corisco do clarão, tomando este como ação, operação de um sujeito de nome corisco, do mesmo modo a moral do povo discrimina entre a força e as expressões da força, como se por trás do forte houvesse um substrato indiferente que fosse livre para expressar ou não a força. Mas não existe tal substrato; não existe "ser" por trás do fazer, do atuar, do devir; “o agente " é uma ficção acrescentada a ação- a ação é tudo.” (Nietzsche: GM:p.36, Cia das Letras). Influenciado por Schopenhauer e Spinoza, Nietzsche toma o corpo como fio condutor, e desta forma inverte o pensamento de toda uma tradição idealista, que sempre privilegiou a consciência, a alma, como instrumento para o saber; seu objetivo consiste em romper com o dualismo mente/corpo que predominou em toda a história da filosofia, para estabelecer o corpo como uma “grande razão”. “E frequentemente me perguntei se até hoje a filosofia, de um modo geral, não teria sido apenas uma interpretação do corpo e uma má-compreensão do corpo” (Nietzsche: GC-2, p. 12, Cia das Letras). A concepção que Nietzsche tem sobre o corpo, é como sendo uma sede de uma multiplicidade de impulsos hierarquicamente organizados, de modo a formar um todo orgânico, onde não há um sujeito racional que comande todas as suas funções, tendo em vista a complexidade do dinamismo corporal. Ou seja, para ele seria impossível a um único órgão manter um controle total sobre o organismo. O corpo seria a “grande razão”, a consciência é caracterizada como um instrumento, como a “pequena razão”. “Instrumento de teu corpo é, também a tua pequena razão meu irmão, à qual chamas “espírito”, pequeno instrumento e brinquedo da tua grande razão” (Nietzsche; Z; Dos desprezadores do corpo, p. 51, Ed. Civ. Brasileira-1977). Desta forma, fica claro que em contraposição ao dualismo mente/corpo, Nietzsche entende o corpo como uma multiplicidade de Vontades de Potência, ou seja, o corpo como uma grande razão representando uma síntese mais complexa de que a abstrata ideia de uma unidade representada pelo “eu”. “Atrás de teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, acha-se um soberano poderoso, um sábio desconhecido - e chama-se o ser próprio. Mora no teu corpo, é o teu corpo”. (; Nietzsche, Z; Dos desprezadores do corpo, p. 51, Ed. Civ. Brasileira, (1977). A metafísica é compreendida por Nietzsche, de uma maneira fragmentada e hierarquizada entre dois mundos: o mundo inteligível, "superior", verdadeiro e o outro, o mundo aparente, sensível, "inferior"; inter-relacionado com o problema dicotômico espírito/corpo, herança Platônica que funcionava como fundamento do mundo sensível. Com a remissão nietzschiana ao corpo, aos afetos, aos sentimentos, aos instintos, à Vontade de Potência, colocando em xeque, as noções cartesianas, herança do Platonismo, tais como: substância, unidade, permanência, eu. Pela concepção filosófica tradicional o homem através do uso da razão, da consciência, foi concebido como critério para avaliar os valores, mas para Nietzsche é justamente o oposto. O homem não é o critério “o homem é algo que deve ser superado” e sim, a Vida, a vida compreendida como Vontade de Potência, é que estratifica a criação dos valores, contudo não de maneira fundante. Sempre de maneira perspectivista, que cria constantemente e incessantemente novos horizontes de significação, em um jogo que não para, visando a afirmação cada vez mais vigorosa das relações de força com a vida. Ao postular um eu que seja o aspecto fundante, a metafísica criou dicotomias insolúveis, com as quais ,pretendeu explicar os fenômenos do mundo, daí a afirmação de Nietzsche “A crença básica dos metafísicos é a crença nas oposições de valores” (NIETZSCHE;BM;pg.10; Cia das Letras)  que vem abalar a fundamentação de tal procedimento, pois, problematizar a noção de eu, de consciência, de razão, implica deixar para trás, tanto a unidade quanto sua oposição, a pluralidade entendida pelos metafísicos como oposições. O corpo criador está num horizonte isento de preocupações fundantes ou sistemáticas “(...)desconfio dos sistemáticos e me afasto de seus caminhos. A vontade de sistema é uma falta de retidão.” (NIETZSCHE: CI; p. 13,Ed. Relume Dumará,1988).Quando Friedrich Wilhelm Nietzsche emprega o corpo como fio condutor para fazer oposição ao idealismo, que coloca a crença platônica do corpo com “prisão da alma” vista no diálogo Fédon ,levando desse modo uma relevável consideração aos sentidos, instintos, afetos como meio das relações de poder que estão sempre em movimento, critica ,de forma incisiva todos os idealismos da tradição filosófica embasados na postulação de um mundo suprassensível, pois, para Nietzsche o corpo é um fenômeno muito mais evidente do que a fé na suposição de um "eu", de uma alma, de um espírito. O uso do corpo como fio condutor proposto por Nietzsche para fazer oposição a toda herança filosófica ocidental socrático-platônica, faz com que os sentidos, os instintos, os afetos obtenham um lugar privilegiado na filosofia, fazendo com que todas as criações de valores tenham um fundamento corporal, pois eles afirmam o corpo e a terra “(...) permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas” (Nietzsche. 30, Ed. Civ. Brasileira 1977). A tentativa de transvaloração dos valores entra em cena, com a colocação do corpo como “um soberano poderoso, um sábio desconhecido” e assim, inverte o primado da consciência instalado por Platão e, levado ao ápice com Descartes, com o a concepção do cogito, como instância reveladora da verdade. Todavia, deve-se ficar esclarecido que Nietzsche não pretende inverter a dicotomia alma/corpo, para corpo/alma, permutando as estimativas de valorações, para ele o corpo é uma “grande razão” uma multiplicidade de Vontades de Potência, sendo concebido como em um inexaurível campo de lutas , e um "jogo de forças " entre os diversos instintos ou impulsos, numa busca para obter preponderância sobre instintos mais fracos, da vitória que nunca cessa, onde os sentimentos, os instintos, os desejos, os pensamentos estão inter-relacionados, não constituindo, desta forma, atividades autônomas. As atividades do corpo funcionam como meios de expressão, sintomas de crescimento ou declínio da Vontade de Potência, estando em relações agonísticas múltiplas que nele se consumam sem cessar. Fizemos esse percurso, apenas para mostrar que a hipervalorizarão do conhecimento racional efetuado por Sócrates, culminou para Nietzsche na decadência da cultura. Agora, voltaremos a questão do conceito de consciência e de razão, para mostrar a crítica que Nietzsche fez a moral e a metafísica, pois para ele, toda filosofia ocidental após Platão é uma filosofia Moral, haja vista, a oposição entre sensível e inteligível. Em Humano, demasiado humano, Nietzsche inicia sua crítica as interpretações metafísicas transcendentes que foram alicerçadas na postulação de um saber em si, de um bem em si, ou seja, ele questiona a pretensão transcendente na formulação desses conceitos, o essencialismo, fruto do platonismo que se põe além do mundo da experiência e da vida; e para tal, indica que os conceitos metafísicos têm sua gênese na história humana, não havendo como ser considerada a possibilidade de eles provirem de uma essência transcendente, que distinguiria o homem dos outros animais. Desse modo, ele mostra o condicionamento das noções metafísicas que foram consideradas incondicionais e atemporais. " Já a filosofia histórica, que não se pode mais conceber como distinta da ciência natural, o mais novo dos métodos filosóficos, constatou, em certos casos(e provavelmente chegará ao mesmo resultado em todos eles), que não há opostos, salvo no exagero habitual da concepção popular ou metafísica, e que na base dessa contraposição está um erro da razão" (NIETZSCHE:HDH,p.15, Cia das Letras) Para o filósofo da Alta Engadina,a consciência tem em sua formação ,componentes históricos,sociais,psicológicos, e assim chega-se à conclusão que o mundo não é mais "nada" do que o produto de representações, que em nada correspondem Ao “mundo efetivo”, ao real. Através do uso da consciência pela linguagem, os homens pensaram que tinham acesso direto a esse mundo  "(...) o criador da linguagem não foi modesto a ponto de crer que dava às coisas apenas denominações, ele imaginou, isto sim, exprimir com palavras o supremo saber das coisas"(NIETZSCHE:HDH,pg.21, Cia das Letras).Dessa maneira, vimos que os conceitos tais como: consciência e seus correlatos: "alma" e "espírito", foram vinculados a tradição metafísica, que por sua vez destacaram uma "essência" que não é humana, estando ligada a uma esfera transcendente.

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